domingo, 27 de março de 2011

Bonnie, a cortesã.


 Não me orgulho de ser uma cortesã, mas admito que seja um “trabalho” bem rentável. Vou ser bem objetiva com você, se quer tanto saber minha história de vida.
 Em 1895, meu pai precisava de dinheiro para dar comida aos meus irmãos e pagar os tratamentos que minha mãe fazia. Eu tinha apenas quinze anos. Eu e ele vivíamos em pé de guerra. Volte e meia ele chegava bêbado em casa, trançando as pernas. Tentava bater em meus irmãos, mas eu nunca deixava. Minha mãe, muito doente, nada podia fazer. Eu apanhava, mas nunca o deixava impune. Ele sempre tentava se desculpar, mas eu nunca o perdoava para ver se ele aprendia a lição. Mas não, ele ia lá, bebia novamente e chegava bêbado...
 Agora, o dinheiro começara a ficar escasso. Percebi isso, quando fiquei olhando pelo vão da porta. Já era muito tarde e eu teria colégio no dia seguinte. Mas pouco me importava...
 Vi meu pai dividir o dinheiro em duas metades. Uma para os remédios e outra para a comida. Fiquei com a consciência extremamente pesada. Percebi que essas metades diminuíam a cada dia que passava.
 Um dia, peguei algumas roupas que eu julgava lindas e as rasguei, costurando-as de novo. Senti-me uma prostituta. Com o pincel escondi os anos que eu ainda tinha e peguei um salto alto de uma irmã que minha mãe um dia teve. Soltei meus cabelos... Meu colo estava bem à mostra...
 Sem que ninguém visse, eu saí pela porta. Fui até a esquina... Posso dizer que naquele dia, conheci o mundo.
 Doeu... Ele não teve cuidado algum comigo, mas pagava bem. O dinheiro dava para comprar remédios e comida. Finalmente eu podia ajudar minha mãe...
 Cheguei a casa, dei as sacolas a minha avó. Ela as pegou e comecei a chorar, eu a abracei. Subi para meu quarto e tirei toda aquela maquiagem, coloquei uma roupa descente e prendi os cabelos.
 Jantamos muito bem e minha mãe ficou com uma aparência um pouco melhor. Meu pai perguntou como eu tinha conseguido tudo aquilo. Não respondi. Ele entrou em meu quarto e achou tudo aquilo. As roupas, os sapatos, a maquiagem...
_Sua vadia! – Ele me deu um tapa no rosto que me fez perder o equilíbrio e cair. – Como pode me desonrar assim?!
_Desonrar?! Você bebe seu desgraçado. Você tem relações amorosas com moças da minha idade e vem falar em desonra?! – Gritei. – Eu não te deixei dormir com fome hoje. Deixei a mamãe melhor e você me chama de vadia?!
_Então está bem. – Ele me segurou pelos cabelos e me jogou na minha cama.
 Saiu andando velozmente e trancou a porta. Fiquei lá por horas... Quando ele abriu a porta, me pegou pelos cabelos e me levou até um bordel, muito famoso. Lá tinham dançarinas, bebidas... Você sabe do que estou falando.
 Ele ganhou muito dinheiro, assim que me vendeu. Uma mulher, que aparentava quarenta anos, porém bela me levou até um quarto. Tirou minha roupa e me deu banho. Enquanto limpava meus cabelos, começamos a conversar.
_Qual seu nome, meu anjo? – Disse ela.
_Marie Lucie. – Respondi aquela senhora.
_A partir de hoje, você se chamará Bonnie, que é um nome menos puro. – Disse ela. – Nunca, jamais diga que seu nome é Marie Lucie. Isso é um segredo só nosso. Tá bem, meu amor?!
_Está bem. – Assenti, chorando.
 Ela me abraçou e nem se importou de ter se molhado.
 Depois disso, já deu para ter uma ideia do que me tornei. Sim, uma cortesã. Tenho no mínimo dois clientes por noite e eles gostam de mim. Pagando bem, pouco me interessa...
_Então... Você gosta disso?! – Perguntou o garoto que iria passar a noite comigo.
 Seu pai tinha pagado para ele perder a virgindade e se tornar “homem”. Mas ele era... Diferente. Talvez estranho, para mim.
_Faço isso por dinheiro e profissão. – Respondi. – Mas... Agora que já sabe quem eu sou, pouco me resta desta noite. Foda-se. Pelo menos ganhei um dinheiro fácil.
 Ele riu da ironia. Então... Esta sou eu. Bonnie, a cortesã.

sexta-feira, 25 de março de 2011

Olhos vendados...

 Senti pela primeira o ar me encher verdadeiramente os pulmões. Meu corpo já estava curado, mas eu ainda sentia fundas feridas em mim. Meu orgulho, meu amor... Tudo. Sentia que me faltava alguma coisa. Eu já fui a Julie Martini, a garota que era cobiçada por tantos garotos do colegial... Não era popular, mas também não era excluída.
 Depois do acidente que me tirou meu pai e minha mãe, eu havia sido o assunto para todo o tipo de polêmica e meu ódio por receber aqueles olhares de pena me corroía. Eu era forte. A dor era imensa, mas eu podia domá-la. Eu sabia, que quando eu tudo podia, eu era uma burra que achava que enxergava tudo, mas não percebia que estava com os olhos vendados.
 No colégio, eu comecei a chorar no meio da aula de química. Sentia-me muito fraca, mas não conseguia dizer. Senti meus músculos se soltarem, um por um, me desobedecendo. Fui caindo em um abismo dentro de mim mesma.Eu comecei a ficar desesperada, mas a voz não saia.
_So.. co... rro! - Saiu tudo em imperceptíveis suspiros.
 Eu estava em desespero. Comecei a chorar.
 O ar já me faltava. Senti alguém que tinha um toque muito suave me pegar no colo. Eu me sentia destruir...
_Estou caindo! Socorro! Ajude-me! - Queria dizê-lo, mas só saiam suspiros desesperados. - Socorro! Por favor!
 Eu lutava... Mas não vencia. Queria que parasse, mas era mais forte que eu.
 Senti algo gelado sufocar meu corpo. Ele reagiu, dando um espasmo muscular, que me fez curvar o corpo. Eu não tinha mais controle sobre ele. Ele começou a tremer sem parar. Eu me debatia, tentando me desprender das correntes que não me deixavam livre.Senti um líquido quente sair da minha boca, e meu corpo não parava de se debater.
_Ela está vomitando sangue! Ajude! - Gritou uma voz feminina. - Chame a ambulância! Depressa!
 Eu senti meu corpo não mais pesar. Senti-me cair dentro de mim, e meu último suspiro inflou meus pulmões. Senti algo travar o ar entrar novamente... Tosse. Não! Eu não queria mais lutar contra as correntes.
 Por um momento, senti tudo se esvair. Meu mundo desmoronou. Foi como se você deixasse um coração de cristal cair. Assim que ele toca o chão, ele se esmigalha. Dizimada, ferida e assustada... Senti um negro profundo me enlaçar. Nunca tinha sentido aquela tranquilidade. Paz finalmente...
 Parece que tudo aquilo que eu amei um dia, queimou-se, virou cinzas  renasceu da forma mais pura.
 Adeus para tudo aquilo que deixei para trás.

domingo, 20 de março de 2011

A feiticeira e a maçã


 Era o último dia de aula, todos estavam pulando de um lado para o outro. Felizes e saltitantes por se livrarem de professores, aulas chatas e conteúdos que consideravam inúteis. Wade nunca soube por que, mas o ano todo ele percebia a presença de Safyra. Ninguém a notava, apenas Wade. Ela tinha um sorriso bonito e largo, mas era sempre sarcástico. Olhos que de longe, pareciam ser violetas e os cabelos louros. Tão louros que pareciam ouro descolorido. A pele branca. O corpo extremamente sedutor... Os lábios eram pura carne avermelhada.
 Aquilo sim era um dos sete pecados capitais. Ao vivo e a cores. Ele achava o nome dela completamente diferente, porque os nomes que ele conhecia de meninas que tinham nome de jóia eram Ruby e Jade. Mas Safyra era altamente complicado de achar.
 Ela vivia com livros sombrios nas mãos e quando não estava com os livros, estava comendo maçãs. Ele se assustava um pouco e sempre que ela encontrava seu olhar, ele estremecia. Por vezes, era uma sensação boa, e outras vezes era frio o olhar. Parecia invadi-lo.
 Ele nunca soube nada sobre ela, mas ela sabia tudo sobre ele. Nada se sabia daquela garota bela de 18 anos. Será que eram realmente 18 anos de idade?! Eu não teria tanta certeza.
Cinco... Quatro... Três... Dois... Um. Os gritos cortaram o silêncio do lugar. Finalmente, fim do ano. Férias!
 Todo mundo vibrava. Ele olhou para a carteira de Safyra. Onde ela estava? Seguiu o caminho que ela sempre fazia. Viu que ela ia em direção a porta, com tanta leveza, que parecia voar. Ele pegou a mochila e correu atrás dela. Quando atravessou a porta, sentiu um incrível aroma de rosas. Virou-se e se assustou. Deu um pulo para trás e se refes em poucos segundos.
_Olá, Wade. – Disse Safyra. – Porque está me seguindo?! Posso ajudar?
_Não... Quer dizer... – Ele começou a corar. Ela não era como as outras garotas com quem ele se envolvia.
 Ela deu um suspiro um pouco sarcástico e tirou uma maçã da bolsa. Ele nunca vira uma maçã tão bonita e tão vermelha em sua vida. Ela a cheirou profundamente e abriu seus olhos, encarando Wade.
_Toma. – Entregou na mão dele. – Fica como presente!
 Em um gesto rápido, ela se jogou contra o corpo de Wade. Suas bocas, suas línguas se encontraram. Em um beijo rápido, ela o soltou. Sorriu sarcasticamente e saiu quase que desfilando. Seu corpo era como lego, até do modo como andava, se encaixava.
 Ele olhou a maçã e deu uma mordida com vontade.
 Ela andava muito rápido. Virou-se e foi até o banheiro. Entrou e trancou a porta. Foi até o espelho...
_Mesmo 1.000 anos depois, eles continuam burros o suficiente para comer as maçãs que eu envenenei. Do mesmo veneno que minha amada Violett morreu. Minha amada branca de neve. – Disse ela, sorrindo, frente a frente ao espelho. – Mas não há príncipes e princesas no século 21.
 Ela ria... Mais um na sua lista. Jovens tolos! Nunca resistiam a seus encantos.

Seu pior inimigo é você mesmo (Web-series) - Part 2


A noite estava muito mais fria que a anterior. A pequena Angeliquie ainda estava completamente assustada, pois, nunca vira algo tão assustador em sua vida. O choque que levara, foi como... Não há uma explicação lógica.
 Ela estava no porão secreto de sua casa, para se proteger de todo e qualquer ataque dos Alemães.
 Aquilo realmente a atormentava. A cada barulho que ela ouvia, seu corpo reagia. Ela se encolhia, até parecer um bichinho indefeso. Seu pai nem se quer percebeu o ferimento na nuca de Angeliquie e ela ficava um pouco revoltada com a despreocupação do pai sob a menina. Porém, nada fazia. Deixava-o viver. Ela não suportava quando ele chegava bêbado em sua casa, falando bobagens e por vezes, a agredia. Ela chorava.
_ “Esse não é papai. Ele é um homem bom!” – Pensava ela, todas as vezes que isso acontecia.
Mas... Ela não sabia se estava mentindo para ela. Sim, ela estava. Ela sempre percebia isso, mas tentar se enganar era a melhor forma para poder se sentir melhor. Existiria um mundo melhor para ela, se não seu conto de fadas de mentira?!
 Uma bomba estourou muito perto. Seu pai e as duas empregadas, Margareth e Clarence, despertaram em um pulo. A menina entrou em pânico, mas não demonstrou para que seu pai não se irritasse com ela. Margareth e Clarence recolheram várias coisas, enquanto o pai de Angeliquie empurrava uma estante, que era o que selava um tipo de saída secreta para os dutos de fuga subterrâneos.
 Margareth pegou a mão de Angeliquie, o pai pegou o castiçal, enquanto Clarence abria caminho com uma vassoura, meio a tantas teias de aranha. Foram correndo. O vento era abafado e asqueroso. Cheiro de esgoto. Que nojo! Isso revirou o estômago das três.
 Eles andaram, horas corriam. E a miúda Angeliquie cada vez mais abalada. Ela não sabia o que dizer e o nervosismo de seu pai não adiantava de nada. A cada grito que ele dava com ela, mais assustada e irritada ela ficava. Acharam uma câmara subterrânea, onde várias pessoas se escondiam. Ótimo!
 Haviam muitas pessoas, muitas feridas, outras mais abaladas que  a própria Angeliquie. Ela abraçou Margareth com tanta força, que pode sentir quando ela realmente ficou preocupada. Ela temia pela frágil menina, mas o que poderia ela fazer?!
_Vou mandá-la a Itália, fille. – Disse o pai de Angeliquie. – Depois da Itália, irá para Madri. Lá estará a salvo.
(Fille: Filha)
_Não quero ir! Eu não vou! – Disse Angeliquie, revoltada.
_Ah, sim, fillete. – Disse ele. – Você vai.
(Fillete: Moçinha.)
_NÃO VOU! – Gritou Angeliquie.
 Seu pai pegou seus longos cabelos e puxou-os. Angeliquie ficou morta de ódio e deu-lhe um soco certeiro no rosto de seu pai. Ele quis partir para cima da menina, mas Margareth entrou na frente.
_Pare, por favor, monsieur. – Disse Margareth. – Ela é só uma criança.
_Não, não sou mais criança! – Disse Angeliquie, tirando Margareth da frente, com delicadeza. - Quer me mandar para longe, mande, mas lembre-se de que você não será mais nada para mim.
                                                                    ***
 A guerra estava prestes a terminar, e então, Angeliquie já com 17 anos de idade voltou à França. Seu pai havia adoecido e estava à beira da morte. Mas antes que desse seu último suspiro queria ver a filha que ele tanto maltratou, mas que tanto amava. Ao menos, pela última vez. Iria deixar todas as suas posses para ela, pois não tinha mais alguém em quem confiasse o suficiente para isso. Apesar de ser menor de idade, sua tia Marie estava cuidando da jovem e deixaria tudo em perfeita ordem para quando Angeliquie assumisse.
_Sweet fille, vamos logo. O carro nos espera vamos little gem. – Disse a tia de Angeliquie.
(Sweet fille: Menina doce. Little gem: Pequena Jóia.)
_Oui, Tante Marie. – Ela pegou suas malas e foi.
(Tante: Tia ou Titia.)
 Iria rever a antiga casa.
Continua

sexta-feira, 18 de março de 2011

Seu pior inimigo é você mesmo (Web-series)

Bom... Ainda não tinha me apresentado. Oi, me chamo Raphaella Martins e sou a autora dos contos. Tenho 14 anos de idade e atualmente resido em Curitiba, no estado do Paraná.
Bom, como podem ver eu trabalho muito com textos sobre o sobrenatural, mas, adoraria que me vocês me dessem sugestões para contos. Meu contato é: maybe_immortal@hotmail.com
Este conto é baseado em auto-conhecimento. Há algumas coisinhas em francês (tô me achando agora que estou fazendo cursinho de francês. xD) Mas, como não sou tão do mal quanto minhas personagens, eu traduzi para vocês. 
Primeira Web-series que eu escrevo. \õ/
A ideia veio quando eu assisti: "Cisne Negro". Eu indico.
É isso, povo. Espero que gostem. ;*
P.S.:Quem quiser a música depois: http://www.youtube.com/watch?v=nKPz9qt1orM
***
 Era uma noite fria de 1914, já era muito tarde. Estava a estourar uma guerra lá fora. O que se via, era apenas um clarão que cortava a visão das pessoas. Por vezes, as matava. Se estivessem muito perto, seus corpos eram dizimados. Simples assim.
 Era assustador ouvir aqueles tiros e barulhos de bombas por todos os lados. Era realmente terrível.
 Angeliquie estava ainda no atelier de ballet. Caída, mortificada, entristecida... Ferida. Ela sentia o chão gelar seu corpo miúdo, sentiu uma onda fria e penetrante lhe percorrer desde seus pés até seu último fio de cabelo castanho. Despertou. Sentiu a dor lhe percorrer todo o ser, e protestou com um gemido.
 Abriu delicadamente seus olhos e deu uma boa olhada ao redor. Viu o assoalho com marcas de sapatilhas. Olhou em volta, espelhos por toda parte e em alguns lugares, barras de ferro para o aquecimento e coisas assim.
 Deslizou as mãos até seu tórax, e foi tentando se levantar. Seu corpo estava frio, o sangue corria dolorosamente pelas veias resfriadas pelo tempo. Ela tremia. Andava cambaleando, por a dor e o frio a consumiam. O desconforto da luz das velas corrompia sua visão, mas aos poucos, os olhos se adaptavam.
 De repente, deparou-se com um castiçal. Ele era todo prateado e detalhado como feito nesta época. Normalmente, tinham as lamparinas que eles usavam nestas noites, mas por vezes, para se esconder, preferiam aos castiçais. A luz da vela era poderosa o suficiente para iluminar o caminho subterrâneo de fuga.
 Angeliquie semicerrou os olhos e abaixou-se, pegando no castiçal. Ele parecia congelado. O metal havia se resfriado. Os dedos dela estavam secos, e seus lábios cor-de-rosa, rachados. Olhou por uma das janelas, com o olhar curioso. Viu neve. Toda e qualquer queda era dolorosa no frio. Ela olhou melhor o castiçal e ali tinha uma substância vermelha. Ela quase que se lembrou. Viu apenas um vulto de silhueta feminina, vestida de preto, batendo-lhe aquilo na nuca. Ela protestou de dor. A dor veio como um raio. Tão rápido que ela não soube explicar naquele mesmo momento.
 A pancada fora tão forte, que ela pareceu não entender mais nada do que se passava naquele momento. De repente, uma música do cravo ecoou pelo estúdio... Ela estremeceu. “Night of terror”... Sim, a música que ela mais gostava do “Lago dos cisnes”. Porém, era uma das músicas mais sombrias.
 Andando como se estivesse dançando, para não fazer barulho, ela ia em direção a porta. Porém, ouviu um barulho atrás dela e virou-se bruscamente. Quando se virou, se deparou com um grandíssimo espelho. Primeiramente, viu a si mesma. Cabelos castanhos longos e trançados, um belo par de olhos chocolate com caramelo. O corpo magro, porém mais sensual para uma bailarina. O colã branco e a saia baixa também branca explicitavam isso claramente. A meia-calça branca, e o bolero branco. A roupa que mais chamava atenção ali eram as sapatilhas. Angeliquie as tinha ganhado da mãe, antes que ela morresse. Eram suas favoritas. Rosadas, com fitas de seda. Entrelaçavam-se por suas panturrilhas, até fazer um laço perfeito. A pele que já era um floco de neve estava ainda mais clarinha por causa da baixa temperatura. Porém o mesmo frio que rachara seus lábios parecia cortar as maçãs de seu fino rosto. Elas pareciam um rosado meio avermelhado.
 Angeliquie ignorou sua imagem, pois ela era quem melhor a conhecia. Virou-se, ignorando solenemente o espelho. Porém, ouviu outro barulho. Desta vez, Angeliquie deu uma lufada, bateu levemente o calcanhar no chão, mas com o silêncio propagado no estúdio, pode se ouvir o barulho de seu pé batendo no chão. O frio ficou mais intenso. Parecia partir a roupa da menina para destroçar sua pele como neve.
 Virou-se. Desta vez ficou pasma, incrédula... Quem sabe perplexa.
 A imagem que viu refletida ali foi a sua. Não, não era ela! A roupa branca havia passado ao negro mais extremo. Os cabelos trançados estavam soltos. Até mesmo as sapatilhas estavam pretas. A meia calça cinza. Havia certa, porém quase imperceptível mudança no preto da roupa da menina refletida.
 Angeliquie olhou, avaliou, afastou-se. Deu dois passos para trás e colocou o braço na altura do queixo, como que em defesa. As janelas se abriram, e os cabelos de ambas as meninas ficou ao vento. A menina de negro sorriu sarcasticamente para Angeliquie, enquanto o vento lhes cortava o corpo. Aliás, só o de Angeliquie.
_Ange, - A voz de seu professor de ballet, ecoou por sua mente. – seu pior inimigo é você mesmo. Olhe no espelho e diga-me o que vê.
_Eu mesma. – Disse ela, com a voz sempre meiga e aveludada. Olhava com inocência para o professor.
_Aquela... Não. Você está aqui, do meu lado. – Disse ele, colocando as mãos nos ombros de Angeliquie. – Aquela no espelho é outro pedaço de você. Seu pedaço que você desconhece. Lembre-se sempre, Ange. O espelho sempre terá duas faces, mas decida qual é você.
_Oui, monsieur Edward. – Disse ela, baixando a cabeça e indo em direção a estante, para pegar suas coisas.
(Tradução: Sim, senhor Edward.)
 Estas lembranças, essas palavras pareciam agora fazer sentido. Mas ela não sabia que seria tão literalmente assim.
_Você é fraca! – Riu a menina vestida de preto.
_Você não é real! – Gritou Angeliquie, pegando o castiçal e batendo contra o espelho.
 Ele se partiu e caiu. Angeliquie afastou-se, mas sem querer esbarrou as cortas em alguém. Virou-se. O grito lhe cortou a garganta.
_Pode correr, mas não pode se esconder. – Disse a menina vestida de negro.
_Eu vou acordar. Isso é só um pesadelo. – Angeliquie fechou os olhos e começou a dizer isso, pensando que era só um sonho. – Quando eu abrir os olhos, você não mais estará aqui.
 Ela os abriu. Nada estava ali. Suspirou aliviada... Realmente, era só um sonho.
_Dizer isso que mamãe lhe ensinou lhe faz sentir-se melhor, Ange? – Disse a menina de negro, logo atrás de Angeliquie.
 Ela se virou e outro grito lhe partiu a garganta. Parecia que alguém arranhava sua garganta, pois estava totalmente seca e desarranjada. O medo e a incredulidade consumiram Angeliquie em milésimos de segundos.
 O som da música pareceu aumentar e aumentar. Ela correu. A cada passo que dava a música aumentava. Batendo seus braços finos contra a porta, ela a abriu, atravessando-a. As janelas abertas daquele estúdio deixavam o ar ainda mais congelante.

_Vous estês ce que vous estes. – Gritou a menina vestida de negro. – Admita, sua tola.
(Tradução: Você é o que você é.)
 Desajeitada, Angeliquie correu até perto do cravo, quando ouviu a porta do lado se abrir. Gritou, só que mais fraco desta vez.
 _Miss Ange.  Procurei-te por todos os lados, Fillette. – Era a voz de Monsieur Edward.
(Miss: Senhorita.  Fillette: Moçinha.) 
_Monsieur. – Ela atravessou o estúdio correndo e jogou-se contra o corpo de Edward.
 Ele ficou confuso, e acolheu-a em seus braços, mas assim que a menina desabou a chorar ele ficou realmente preocupado. Não entendia, mas iria deixar que a pequena menina se acalmasse.
_Será que tinha acabado?! – Este era um pensamento que gritou insanamente dentro de Angeliquie.

Continua.

quinta-feira, 3 de março de 2011

Escritora juvenil (Conto dedicado a Caroline Milena)

Entre poemas, e declarações, eis um dia de adolescente que sabe o que é amar.
                                                                              ***
“Agarro a caneta,
Como se ela fosse tudo naquele momento tão solene.
Como se houvesse vida a ser preservada.
Como se sem ela, eu perdesse o segundo, o minuto, à hora, o dia, as semanas, os meses, os anos... A vida.”

  Mais um dia se passa, eu aqui... Quieta, parada. Olhando as gotas da chuva batendo contra a minha janela. E se o vidro não estivesse ali, diria que meu rosto seria um alvo para elas. Quem sou eu? Ops... Desculpe à má-educação. Sou Molly. Tenho 17 anos... Moro em uma cidade chamada Seattle.
Bom... Sou alvo de chacotas no meu colégio, por viver com o livro nas mãos e cadernos empilhados nos braços sob a pressão do peito, para não cair pelo chão. Adoro escrever, mas nunca soube o por que. Sinto que quando não escrevo, deixo de viver.
 Neste momento, estou na minha escrivaninha... Escrevendo mais e mais versos... Não há nada muito além de palavras para as outras pessoas. Mas as que sabem ver o que é sentimento, as bem que em todos os desenhos de símbolos, as letras, a uma garota cuja vida não é um mar de rosas.
 Eu sou assim. A alma no silêncio, o coração afundado em idiotices adolescentes, a mente cheia de números e letras, cujas páginas da vida, estão repletas de palavras e pensamentos.
                                                                              ***
“Sua tinta é como as pessoas.
 Deixa-me escrever o que penso, e deixa marcas por onde passa.

Tem dias que vejo a vida,
Sem causa de dor ou espanto.

_Você tem características marcantes, minha amiga. – Disse minha melhor amiga Bree, fazendo uma cara engraçada, elogiando meu texto recém-escrito na aula filosofia.
_Obrigada. Mas... Eu só escrevi o que eu senti. – Respondi.
_Ficou sabendo? – Disse ela, reprimindo um sorriso.
_Do que? – Perguntei.
_Do Ping. – Respondeu ela. – Ele passou no vestibular. Ele fez a maior sacanagem na redação.
_Sério? Que bom. Mas... Como assim? “Sacanagem”? – Fiquei confusa.
_É. Assim... Na redação pedia para narrar um imigrante chinês que acaba de chegar aos EUA. Sabe o que ele fez?
_O que? – Escreveu o texto, dãã!
_Escreveu o texto todo em chinês. – Ela desabou a rir...
_O que? Está falando sério? – Comecei a me revirar na carteira para que ela me respondesse alguma coisa.
 Sinceramente... Não sei por quê... Não me surpreendi.
 De repente, vi uma mão chegando perto da minha mesa, e quando olhei de novo, a folha onde estava meu texto, estava em uma mão feminina. Clayre! Ghaaaa! Que ódio desta porca anoréxica.
_Que meigo! O que tem contra o “politicamente-correto”? – Disse ela, fazendo um biquinho com aqueles lábios gosmentos de gloss. – Sou politicamente-correta. Por isso sou perfeita.
_Este é seu defeito, Clayre. – Respondi. – Você é perfeita. Pessoas perfeitas são imperfeitas por não fazem nada para melhorarem. Não tem nada a acrescentar além de ações incoerentes de revistas de moda e respostinhas politicamente-corretas que não fazem da nossa sociedade um lugar melhor para se viver.
_Acabou o discurso? – Disse ela, com aquele ar ridículo de deboche.
_Se eu precisasse discursar mesmo, não te chamaria como platéia e sim, pessoas com conteúdo. Ridícula!
_Como é?! – Ela disse, pegando-me pela gola da blusa.
_Isso mesmo que você ouviu. Você tem dois segundos para me largar... Caso contrário, essa sua carinha de Léia T, vai ficar igual a de um zumbi sendo devorado por vermes. Aliás, você é um verme...
 Senti-me, naquele momento, um desprazer de viver. As pessoas hoje estão desprovidas de todo e qualquer amor ao próximo. Não quero acabar com os meus defeitos, pois não sei qual deles segura a estrutura da minha personalidade. Mas... A única resposta que eu vejo agora é: Precisamos de um lugar melhor para viver.
Não entendo o porquê, mas isso não mais me surpreende e muito pouco espanta.
                                                                        ***
“Escondo-me nas palavras, onde é um mundo sem julgamentos,
onde só é válida, a minha reles opinião.

E escrevo-te...
Tenho medo dos seus sonhos, mas quero-os para mim.
E os sentimentos?!
Os seus, parecem não ser nada além de emoções de plástico,
de uma pessoa inventada, em uma folha de papel.

E estas lágrimas... Que ridículo!
São apenas gotas de sentimentos que você não sentiu.

Mas que droga!
E o meu coração,
Gostaria que ele não batesse por ti.”

Robert... Aquele anjo tão carnal... Que droga. Virei-me para fitar meu armário, mas sem querer olhei-o de novo, conversando com os amigos, provavelmente exibindo-se por ter conquistado outra garota muito bonita. Esse era seu passatempo preferido.
Parecia o Ken da Barbie. Tinha emoções, ações e reações tão artificiais como plástico. Um cidadão de papel manipulado pela moda adolescente atual. Que ridículo!
 De repente, vi-o baixar a cabeça e seus olhos se enxerem d’água... Dizem que as lágrimas são a fonte mais pura de sentimentos das nossas almas. Parecia que ele sentia tudo e ao mesmo tempo, nada.
 Quando eu chorava, começava por uma razão e terminava por mil e uma... Não sei o porquê. Ele bateu a porta do armário e saiu com passos rápidos e ágeis. Por instinto, fechei o meu e saí em disparada atrás dele. Ele andava rápido e então tive que dar uma corridinha para acompanhar seu ritmo. Ele abriu uma das portas do colégio e atravesso-as... Em quase extremo silêncio, fiz o mesmo. Assim que senti a brisa congelante de inverno, estremeci. Continuei...
 Ele ficou de baixo de uma escada. Ali tinha um lugar pequeno que poucos sabiam onde ficava. Era um refúgio para quando precisávamos chorar. As pessoas nunca me viam chorar, e então eu ficava quieta ali. Ele foi até ali, sentou-se quase se jogando. Pude ver o modo que suas mãos tremiam ao secar as lágrimas tão amarguradas... Não sei se tinham sentimentos.
 Fui até ele, e ele me olhou com espanto.
_Quem é você? – Disse ele, encarando-me, tentando esconder o rosto vermelho de choro.
_Molly. – Respondi, aproximando-me dele. – O que houve Robert?
_Ah! Não é nada... – Disse ele. – É só... Opa. De onde você me conhece?
_Você ficava me ridicularizando até o 11º ano. – Fiz uma cara de quem não queria ter dito aquilo.
_Oh... Perdoe-me.
_Diga-me o que houve...
_Jura ficar só entre nós?
_Sim. – Assenti.
 E então ele começou a falar...
                                                                              ***
“Guardo nas linhas os segredos,
Vestindo a folha despida.
Posso ouvir o barulho da caneta deslizando no papel...
Agora aqui... Jazem minhas palavras, de mais um dia em que vi minha vida passar...
Mas desta vez, gravando o que um dia eu senti.”

Eu e Robert havíamos começado a andarmos juntos... Isso parecia estranho, pois ele era cobiçado por muitas e eu era apenas mais uma excluída no meio daquela massa humana de pessoas estranhas.
 Coloquei a mão no bolso... Meu Deus! Perdi o poema. Ninguém podia ler aquilo... Não... Ai meu Deus! E se chegasse às mãos de Robert. Não queria nem pensar.
 Comecei a revirar meu bolso e nada. Ele pareceu perceber...
_Está procurando isto? – Ele estava com a folha na mão.
 Era a mesma folha do meu fichário do “Pequeno príncipe”, a minha caligrafia, minhas palavras, meus pensamentos...
 Arregalei os olhos, e senti minhas bochechas queimarem e meu coração acelerar. As mãos tremiam sem parar, e o frio a deixava com uma cor sem vida. Senti o sangue correr mais rápido do que o atleta mais rápido do muito. Senti a pressão subir, e o ar do pulmão fugir...

“Perdoe-me te amar sem permissão,
mas a culpa é tua, porque roubaste meu coração.
 Este amor que em mim habita,
amor sem limites que clama pelo seu corpo junto ao meu,
que reclama da tua ausência.
Para ti, imperceptível...
Para nós que sentimos sensível e tímido.
Sinto-me frágil... Amo-te sem saber o por que.
Pecado meu que vai além da carne,
um talento inato que profana meu sangue,
domina meu ser,
deixa em brasa meu coração e alegra minha alma.
De teus olhos, tua boca, teu eu...
Quero seus sonhos, seus mistérios... Quero-o.”

Ele aproximou-se, segurou-me com força pelos ombros, e puxou-me para si. Um doce sabor se apoderou de mim...

 Foi isso que um dia eu senti...

quarta-feira, 2 de março de 2011

Inferno - Part 1 (Conto dedicado a Renata Kocholi)

Este conto que você vai ler, contém fragmentos verídicos dos depoimentos de uma menina. Ficção e realidade. Você é quem sabe se acredita ou não. Uma parte... Mentira. Conto. Outra... Verdadeira. Comentem ;D
***

 Meggie era uma linda garotinha, de apenas nove anos de idade. Tão fofa... Era tão lindo vê-la adormecida em sua cama... Era de se invejar, sua capacidade de sonhar. Mas está noite estava estranha. Seu quarto tinha um clima pesado... Meggie não estava acostumada com aquilo. Andava tendo fortes pesadelos e a mãe cada dia mais preocupada. O pai, advogado, não sabia o que fazer... Dividir o tempo estava cada vez mais difícil agora que Meggie estava daquele jeito. Ela estava assustada. Tão linda... Seus olhos mostravam claramente como os pesadelos a deixavam atordoada.
 Ela não rezava muito, pois os pais eram ateus. Mas por influência da avó, ela rezava algumas vezes. Pelo menos, sempre antes de dormir, desde que começou a ter pesadelos. Parecia que suas preces jamais chegariam aos céus. Uma menina tão linda, tão pura... Uma criança. Um anjo esquecido por Deus... O que era Deus nestas horas? Era assim que sua mãe pensava. Não queria ver mais Meggie naquele estado.
_Boa noite, meu anjinho. – Disse a mãe, deixando a filha em seu quarto. – Desta vez, verá que nada de ruim vai acontecer.
_Sim, mamãe. – Respondeu ela, fechando os olhinhos.
 A noite estava tensa. Meggie podia sentir que algo de ruim iria acontecer. O céu já estava em crepúsculo, à lua já estava desaparecendo em meio aos borrões de tinta cinza que eram as nuvens no céu. Não havia estrelas...
 Ela virou-se, contra a luz... Não conseguia dormir nem se colasse as pálpebras com super-cola... Sentia cala-frios... O frio já havia rachado seus lábios cor-de-rosa... As bochechas pareciam congelar... Mas... Ainda era outono. O inverno costumava ser um pouco menos rigoroso. Será que iria nevar?! Pensava Meggie.
 De repente, ela escutou passos envolta de sua cama... Assustou-se. Sentiu o coração gelar e vacilar, o ar pareceu fugir do pulmão. Sentia-se fora de si. Agarrou o travesseiro com a força de suas mãozinhas, e fechou os olhinhos...
_Ave Maria, cheia de graça... – Ela começou a sussurrar uma oração.
 Ela começou a ouvir uma risada demoníaca. O frio que sentia lhe correu a espinha, fazendo-a abrir os olhos. Ela viu uma sombra estranha, masculina. A risada se aproximava, e ela se encolhia. Rezava cada vez mais baixinho... Será que adiantaria rezar?
_Não precisa rezar, Meggie... – Ela ouviu a voz demoníaca dizer bem perto do ouvido dela. – Eu estou aqui. Eu sou... Deus.
 Ela podia sentir repulsa do cheiro de enxofre e aquela respiração ardente em sua nuca. Ela começava a ficar desesperada. Porém, seu corpo não lhe obedecia. A voz não saia... O que fazer agora? O que ele iria fazer? Pobre Meggie, inocente demais para perceber.
 Ela sentiu como se uma mulher a segurasse contra a cama. Eles nunca tinham tocado nela. Abriu seus olhos e viu a silhueta feminina por cima dela, prendendo suas mãos e segurando o tronco ali. Ela não tentou se soltar, por que tinha medo de algo acontecer. De repente, tudo parou... Suspirou aliviada. Levantou-se um pouco, só por garantia, logo se deitou... Outro suspiro.
 Certo? Errado. Ainda não havia acabado.
_You is mine, Meggie. – Ela viu uma sombra imensa vir para cima dela... – You is mine... Ghaaaaa!
 Ela gritou... Desesperada. Não sentia mais nada. Sentiu um osso de seu pescoço se partir e nada... A última coisa que viu foram os olhos vermelho-fumegantes da criatura sombria e o sangue escorrendo pelas paredes... Depois disso... Acho que talvez descubramos de outra forma.
Continua...